Jornadas alquímicas de iniciação feminina pelos caminhos da Sexualidade, da Dança e da Conexão com a Natureza... (Dúnia La Luna)
"A Serpente é o entendimento de todas as coisas e a compreensão da vacuidade d'elas. Seguindo um caminho que não é o de nenhuma ordem nem destino, ela ergue-se á Altura que é a sua origem... Ela é o entendimento de tudo, a fusão dos opostos, do bem e do mal, a da valia da emoção como emoção e da vontade como vontade... " (Fernando Pessoa)



quinta-feira, 6 de abril de 2017

Lições de uma Menstruação Irregular - Abandonando o Ideal do Ciclo Feminino

Patrícia Ariel
Desde que menstruo, o meu ciclo nunca se apresentou regular. Fui diagnosticada com a síndrome dos ovários policísticos. O diagnóstico é pessoal, mas meus estudos de dança e do universo feminino me mostraram que o ciclo regular não é tão comum quanto se imagina.
A maioria das mulheres ou toma pílula por muuuuito tempo – e essa dose de hormônios cria uma regularidade artificial - ou então  vive
também essa inconstância.   Para mim, e para algumas mulheres que convivo, isso girava frustração. Afinal, consciente da sacralidade do feminino e buscando essa conexão em mim, tinha que admitir que eu não estava lá muito bem sincronizada com essa energia, pois meus ciclos não funcionavam de acordo com o ciclo lunar. 
Para as tradições do sagrado feminino, o ciclo da Lua é um referente processo de conexão com a vida, que se repete no corpo da mulher. Então, eu corria para tentar me encaixar no ciclo de 28 a 30 dias, que é o ciclo lunar, acreditando que esse era o único ritmo da vida. Eu buscava essa conexão e me frustrava sempre porque meu corpo se recusava a obedecer a este ideal.


 Meu sangue ocorria mais ou menos de 3 em 3 meses, meu ovário sempre foi policístico, engravidei menstruada, tive um parto fora da data prevista pelo ultrassom. Enfim, eu não me encaixava  nos ideais de regularidade.

Tentei de tudo: de pílula a florais; de dança a meditação; de emagrecimento a mudanças alimentares e diversos rituais. Resultado? Fiquei 1 ano e meio sem sangrar!



 Decidi que não iria mais buscar alternativas, mas aceitaria essa condição. Mantive porém meu ritual de cuidados femininos, que incluem: aromaterapia, banhos, massagens e os exercícios pélvicos na terra. Meu ciclo passou a acontecer em períodos de 3 a 5 meses, chegando sem avisar, sem tempo para cessar. Aceitei tudo, tentando ficar livre dos julgamentos.

Nessa época, tive uma forte dor de cabeça, daquelas penetrantes, que latejam de um lado só das têmporas (bem sintomática na pré-menstruação). Eu já vinha sofrendo com uma dor de cabeça regular, mas não notei sua frequência e buscava explicações mentais para ela:  achava que era sono insuficiente, viagens constantes a São Paulo, mau jeito no corpo, fotosensibilidade e assim por diante. Todos esses motivos imaginários justificavam um remédio de relaxamento muscular ou algo assim. E eu me rendia aos analgésicos!

 Aquela dor, porém, estava mais forte, vinha com marteladas latejantes e também com um congestionamento do líquido corporal muito forte (aquela sensação de inchaço que antecede a menstruação, mas essa era extrema.).  Mesmo depois de me medicar a dor persistia, torturando-me muito. Como eu moro no alto de uma montanha na Serra da Mantiqueira (SP), fui tomar um banho de cachoeira, e, com à água, aaaahhhh, que alívio... Saí da água e a dor voltou com a mesma intensidade. No desespero, recorri a mais algumas práticas; e, como nada dava resultado, procurei um refúgio no alto de uma montanha e comecei a rezar. Isso mesmo: rezar. Não me dirigi a nenhuma divindade específica. Lembro-me de sentar e começar a respirar fundo e a conversar com meu corpo e com a grande fonte da vida, pedindo para saber o que fazer. Respirando ali, passei a sentir o bombear do meu coração em compasso com a dor de cabeça. Pensei: "pode ser pressão alta", e fiquei receptiva, sem o menor controle, sabendo que abaixo do solo em que me sentava corre muita água, e que isso ajuda as linfas do corpo a fluir também.
Entregue a este processo, notei que a dor não era mais dor - só pulsação. Sentia meu coração forte e minha cabeça acompanhando, mas milagrosamente sem dor, sem doooor...  Senti um grande alívio.
Permaneci onde estava, curtindo essa sensação. Finalmente, reparo que TODO o meu corpo pulsava. Era vibrante, intenso, interessante e muito prazeroso. Enquanto inspirava e expirava, dei-me conta de que meu corpo todo pulsava porque o que de fato pulsava era a terra embaixo de mim; aquela montanha estava a todo vapor, estava viva, pulsante e eu a sentia muito claramente! Eu me encontrava em um estado corporal sensível, mas estava antes desconectada e por isso havia doído essa pulsão.
Cristina McAllister

Quando sentei na terra, permiti-me uma abertura e agora já sentia meu corpo contínuo ao da montanha. E senti, pela primeira vez, minhas raízes energéticas reais e pulsantes. Elas penetravam na terra e era como se eu fosse  uma das árvores recebendo energia e seiva.


Eu soube naquele instante o que era Ser um corpo e não ter um corpo. Pela primeira vez, eu estava vivendo a realidade de meu corpo, eu estava completamente rendida a ele; pela primeira vez, eu compreendi o que era Ser o corpo, e o que me permitiu isso foi a rendição a uma dor de cabeça!  A possibilidade de interpretar desse modo o que me acontecia, eu sabia, vinha de muito tempo atrás. Lembrei-me dos meus estudos do feminino.  Especialmente de uma aula com a Layla Elaine Gimenez (minha grande iniciadora nos mistérios do feminino, que me iniciou na dança) Nós estávamos estudando o livro- O Simbolismo do Corpo Humano de Annick de Suzenelle -, onde havia esta afirmação:



"Quem tem um corpo é um corpo entretido - Quem é o corpo é o corpo vivido".

Na época, acho que não entendi o significado disso, mas essa frase

nunca deixou de ressoar em mim. Levei quase 20 anos para que a lição se tornasse compreensível para mim, para além da mente, mas no corpo todo. Minha experiência de dor e alívio vivida naquele dia, no topo da montanha, foi transformadora. Percebi que, até então, eu tentava estabelecer contato com meu corpo a partir de uma ideal de feminino  e de como um corpo de mulher deveria funcionar. E hoje sei que ideias são fruto de uma exatidão mental, mas que a vida e a natureza não são exatas."



 Ali, eu abandonei a frustração de não ter um corpo ideal e dentro de um ciclo ideal. 

Ali eu admiti que meu corpo realmente sabe mais do que minha mente, e que tem muito para me mostrar. Ali eu soube que ele é como deve ser para que eu possa acessar o que é necessário acessar em minha jornada e de mais ninguém. Soube o quanto é inútil ficarmos à disposição dos ideais, mesmo que eles sejam lindos e cheios de poesia. Se eles não eram a minha realidade, então eu deveria abandoná-los.
Abandonei naquela montanha o conceito de ciclo lunar feminino ideal tal qual eu havia lido e aprendido. Entendi que o ciclo acontecia em mim e na maioria das mulheres de modo singular. O meu ciclo lunar era oculto, profundo e precisava que eu me aprofundasse em mim para vivê-lo, fosse como fosse; para poder acessar a minha singularidade e o saber o que só a mim a vida estava reservando.

     Naquele dia me assustei por assimilar que até então eu havia vivido um ideal, mas estava muito, muito feliz e leve por poder acreditar e seguir meu corpo mesmo com sua irregularidade.

E então compreendi como nossa maneira mental de viver está aquém do corpo. Mesmo nos propondo nos experimentar, criamos expectativas de como temos que experimentar e sobre o que tem que ocorrer nessa experimentação! 
Se formos pra experimentação real e  se observarmos ao nosso redor perceberemos a irregularidade da vida, as luas fora de curso, as estações que adiantam e atrasam porque o ritmo delas nem cabe no nosso conceito de datas, a terra que sofre todo tipo de abusos e que, para sobreviver, promove cheias e secas, enfim, irregularidades que reverberam em nossos ciclos pois nossa vida está conectada a vida do planeta


Paradoxalmente, só quando abandonei o ideal de ciclo lunar este realizou-se em mim!
Depois daquele episódio meu sangue não verteu no mês, mas sabia que ele estava por vir porque havia entendido a lição. Quando verteu, eu o recebi como a bebida revitalizante dos deuses, e, desde então, o sangue flui como e quando pode, não julgo mais o que é melhor e não idealizo o que deveria ser... Muitas vezes ele chega todos os meses, mas outras vezes não. E tudo bem com isso, entro em contato aceito e sei que aprenderei algo diferente a cada situação. 


Tenho vivido os presentes da " irregularidade" a cada momento como uma singela expectadora que nada sabe. E já algum tempo, depois desse episódio, meu corpo vem me guiando e me ensinando a ver meus sistemas de fluxos energéticos sutis...

Explico: desde então sinto que posso fechar os olhos e perceber uma espécie de diferentes trajetos/teias sutis de energia que fluem entre orgãos em si e as forças vibracionais da natureza!
Assim realizo hoje uma série de visualizações sutis no meu corpo que me permite fortalecer e irrigar diferentes forças vitais para órgãos que podem estar necessitados, (como se fosse uma medicina sutil criada ou captada por meu próprio corpo)
Tenho oferecido essas "visualizações medicinais" em meus trabalhos e descobri que cada mulher tem tráfegos diferentes, próprios, e que cada uma tem a mesma possibilidade/capacidade, de com prática, descobrir suas próprias teias e conexões sutis!


Que cada mulher SEJA o seu próprio corpo, que cada ciclo seja percebido e honrado como se apresenta, que cada mistério seja aceito e que cada mulher realmente compreenda o sentido de honrar seu ritmo, seu ciclo único de lições únicas e pessoais.

Texto: Dúnia La Luna
Revisão: Deborah Paula Souza 



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